Apesar dos esforços dos meus pais e professores, nunca gostei de ler.
Os livros do Colegial, os grandes Clássicos, me entediavam profundamente. Só lembro de gostar da coleção Vaga-Lume lida até a 5ª ou 6ª série, contos dos irmãos Grimm, as fábulas de Esopo e livros de Mitologia Grega.
Quando a professora nos passava um livro, calculava quantos dias antes da prova eu teria para ler 10 páginas diárias e assim, com dedicação Espartana, me forçava a cumprir o cronograma. Se eu chegasse à décima página com o parágrafo pela metade, parava ali mesmo.
Se deixasse de ler 1 dia, tirava o atraso e recalculava tudo de novo, sistematicamente. Anotava os personagens e suas relações em um papel, porque me era impossível fixar qualquer coisa lendo com tanta má vontade. O resumo ajudava na prova e, passado o teste, adeus livro.
Não foram poucas as vezes em que começava a ler o trecho do dia e no 2º parágrafo já estava em outro lugar, muito longe do livro. Pensava:"Putz, falta muito? Esse cara precisa descrever toooodos o detalhes da maldita penteadeira? Ai que saco, não fiz a lição de química! Huum que fome, acho que vou comer..." Ao final da página, percebia que não tinha registrado nada, nem uma letrinha sequer e tinha que começar tudo de novo, e de novo, e de novo. Era um suplício, um martírio.
Não entendia como isso iria me fazer gostar da leitura, me parecia uma causa perdida. E isso só me fazia odiar com todas as minhas forças certos autores.
De "Cidades e a Serra" só lembro da capa e das páginas repletas de texto com letrinhas miúdas. Não saberia dizer do que se trata, nem lembrar de nenhum personagem. Nem sei como fiz a prova.
Detestava "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Quincas Borba" que a cada "Ao vencedor, Batatas" tinha vontade de morder o livro. Só fiz as pazes com Machado de Assis quando conheci "Dom Casmurro".
"O Sertanejo" me perdeu logo nas primeiras 10 folhas. Quilômetros e quilômetros de textos descrevendo a Caatinga, o cacto, o lagartinho, a poeira... Não havia jeito de eu concluir aquele livro e cheguei para o teste pronta para improvisar. A professora não gostou muito da minha "re interpretação" da obra e só não tomei um zero pq tb era prova de gramática.
[Essa é uma daquelas lembranças memoráveis da minha infância, que me vejo sentada em frente à folha, recém saída do mimeografo, e o desespero me corroendo por não saber nenhuma resposta.]
A "Hora da Estrela" foi triste demais, chorava de pena da pobre Macabéia e também da Baleia, a cachorrinha de "Vidas Secas". Mas sentia raiva mesmo da professora (ou do sistema de ensino) que me obrigava a ler essas coisas e passar por sentimentos que eu não queria.
Mas nem tudo foi tão ruim, gostei de "Memórias de um Sargento de Milícias", "O Cortiço", "Senhora", "As Pupilas do Senhor Reitor". E devo agradecer a Julia Gam e Marcos Paulo por me ajudarem a concluir o "Primo Basílio".
Os anos passaram e já que não era obrigada a ler, abandonei com ranço os livros. Nem me sobrava tempo, muitos textos para ler na faculdade, depois fui trabalhar. Não parava em casa, meus dias eram divididos entre os amigos, namorado, curso/trabalho e atividades físicas. Se estava em casa, era para dormir ou para ficar feito um zumbi em frente a TV.
Mas me sentia culpada e os benefícios da leitura continuavam ecoando na minha cabeça. Foram precisos alguns anos para eu me reencontrar com os livros. E foi Tolkien quem me mostrou a magia.
Li os "Hobbits" e adorei. Assisti aos filmes e me propus a completar a trilogia, mesmo sabendo que não seria fácil, pois todas as surpresas tinham ficado nas telas. Ledo engano, Tolkien é fascinante.
Desde então, já foram alguns: o 1º Harry Potter, muitos que viraram filme, Best Sellers, Paulo Coelho (só para conhecer), Fernando Pessoa, livros técnicos, não-ficção e outros que nem lembro. Dos Clássicos, ainda não reli nenhum, tudo tem sua hora. Mas não tenho pretensão de ler "100 Anos de Solidão" ou Dostoievski. Sei que não tenho vocação para intelectual.
Mas é maravilhoso descobrir que um universo surge cada vez que vc abre um livro. A leitura em si é solitária, egoísta, mas ao mesmo tempo vc empresta ao autor sua voz, ritmo e cadência.
Em certos trechos de ação leio com sofreguidão que nem consigo compor o cenário direito e volto com mais calma. E como não poderia deixar de ser, sigo algumas regras que me impus: jamais ler o final do livro antes do término, não comece outro sem terminar o que está lendo e termine a qualquer custo, fato que tem sido fácil, desde então.
Nunca mais usei meu cronograma de leitura e só paro de ler quando atinjo um novo capítulo ou quando outra atividade me espera.
Ao final de cada história sinto um misto de tristeza e alegria. Fico feliz ao concluir a trama, mas vou sentir falta dos personagens/autor que conheci e convivi quase que diariamente.
Ao término da última página, releio as abas, a contra-capa e ainda fico contemplando o livro, meio que me despedindo.
Mas depois virão outros e mal posso esperar para voltar aos emaranhados da minha cabeça e recriar o universo do autor.
Quem será o próximo que vai me fazer mergulhar por horas e horas de silêncio na multidão de pessoas, sons e cores que surgem das páginas impressas de cada nova descoberta?
----
Beijos e Bytes
Sempre gostei de ler, mas só gostava de ler assuntos que me interessavem. Até hoje é assim. Dispenso quase tudo de ficção (a não ser Agatha Christie e quadrinhos). Leio muitas biografias e livros de história. Muitos livros técnicos. Jornais e revistas. E devoro. A ponto de haver dezenas acumulados, alguns já há muitos anos, aguardando sua vez. Mas na escola eu odiava ter de ler os livros por obrigação. Por isso, nunca mais abri um só "clássico" desde então.
ResponderExcluirVan, adorei seu post do Fusca, aliás, faltou uma fotinha dele! Mas gostei mesmo foi desse post. Ler é vício. Quando se começa, não se consegue parar... e quando acaba, logo se quer outro pra começar (quando o livro é bom, claro). Mas não se pode parar de ler. Parou, já era.
ResponderExcluirMe identifiquei demais com seu relato da época da faculdade, porque fazia exatamente a mesma coisa, de contar quantas páginas tinha pra dividir por dia... Odiei Senhora, tenho trauma desse livro, não consegui ler com a atenção devida, fui super mal na prova. Mas coleção Vagalume era tudo de bom!
Eu sou de fases. Hoje em dia estou na fase de não querer ver livro na minha frente. Sei que preciso recuperar esse meu "vício" que se perdeu, mas tá difícil, viu. Ainda mais quando se compete com cinema e tv!
Beijinhos!